Maria Carolina Maia
Quando o ator Hugh Jackman visitou o Brasil, no início do ano, para gravar um comercial no Rio de Janeiro, resolveu fazer turismo pela cidade, dando uma passadinha pelo morro Dona Marta. O australiano não está só. O chamado turismo de favela, ou turismo da miséria, é um fenômeno em expansão, como atesta o livro Gringo na Laje
Produção, Circulação e Consumo da Favela Turística (FGV Editora, 163 pág., 17 reais), da antropóloga Bianca Freire-Medeiros. Por mais estranho que possa parecer, a violência é, na visão da pesquisadora, o que mais seduz os turistas. "Ela é um atrativo. O filme Cidade de Deus, por exemplo, vende a imagem de que a favela é um lugar extremamente violento, de alto risco: os turistas querem ir lá motivados por isso", diz Bianca. Só a favela da Rocinha, destino favorito no Rio, recebe cerca de 3.500 visitantes por mês, a maior parte vinda da Europa e dos Estados Unidos. Sete agências especializadas e inúmeros guias exploram o negócio. Leia a seguir a entrevista que a antropóloga concedeu a VEJA.com sobre o assunto. Confira também outros destinos do turismo da miséria pelo mundo.
Produção, Circulação e Consumo da Favela Turística (FGV Editora, 163 pág., 17 reais), da antropóloga Bianca Freire-Medeiros. Por mais estranho que possa parecer, a violência é, na visão da pesquisadora, o que mais seduz os turistas. "Ela é um atrativo. O filme Cidade de Deus, por exemplo, vende a imagem de que a favela é um lugar extremamente violento, de alto risco: os turistas querem ir lá motivados por isso", diz Bianca. Só a favela da Rocinha, destino favorito no Rio, recebe cerca de 3.500 visitantes por mês, a maior parte vinda da Europa e dos Estados Unidos. Sete agências especializadas e inúmeros guias exploram o negócio. Leia a seguir a entrevista que a antropóloga concedeu a VEJA.com sobre o assunto. Confira também outros destinos do turismo da miséria pelo mundo.
Como teve início o turismo da miséria?
O turismo em favela tem como antecedente histórico a prática do slumming, termo com registro em dicionário, realizada pelas elites inglesas da era vitoriana, nos anos de 1880. Os ricos iam visitar, por curiosidade ou caridade, os espaços segregados da cidade. Era quase como se fossem às colônias - de chineses, italianos e outros. Virou moda fazer essas visitas. Isso dura até os anos 1920. A situação contemporânea começou por volta de 1990. No Rio de Janeiro, há um mito de origem, segundo o qual o turismo em favela começou com a ECO 92, quando se passou a levar estrangeiros à Rocinha - pessoas ligadas em ecologia e interessadas em alternativas ao turismo de massa. Na África do Sul, esse tipo de turismo teve início com fim do Apartheid, em 1994, e os roteiros turísticos para as townships, localidades que até então estavam isoladas.
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O que move o turista, curiosidade ou piedade?
Falar apenas em curiosidade é complicado, porque soa sempre como acusação. É como se disséssemos: "O outro é que é curioso, não eu". E, na verdade, é tudo misturado. Não é só vontade de conhecer uma outra cultura, um tipo de voyeurismo ou desejo de ajudar. Tentar separar aquele que de fato quer contribuir para o lugar de outro que só quer fazer voyeurismo não é o ponto. Acho que a grande questão é explicar a transformação da pobreza em atração: os turistas estão em busca de uma situação de precariedade que eles desconhecem.
Essa conversão da miséria em atração não gera dilemas morais para o turista?
Com certeza. Todo turista sabe que pode ser acusado de fazer algo de mau gosto, de participar de um "zoológico de pobre". Mas, entre aqueles que entrevistei, não houve um que tenha saído insatisfeito do passeio. Para todo mundo, é uma experiência forte, capaz de revelar a cidade e de tornar inteligível o país. É isso que causa mal-estar aos brasileiros, críticos da prática, é essa ideia de que explicar o Brasil passa pela favela. A imagem internacional do país hoje está colada a futebol, a Carnaval e a favela. Existe no imaginário internacional uma associação direta entre cultura brasileira e favela.
A violência também faz parte da imagem externa do país. Isso não assusta o turista estrangeiro?
Na verdade, a violência é mais um atrativo para o turista um atrativo propagado pela mídia. A ideia que o filme Cidade de Deus vende, por exemplo, é a de que a favela é um lugar extremamente violento, de alto risco. Os turistas vão à favela motivados por essa imagem. É uma coisa que as agências têm de administrar. Ao mesmo tempo em que elas procuram mudar a imagem que o turista tem da favela, mostrar que ali não tem apenas violência, elas sabem que, se ninguém acreditar na violência, não haverá clientela.
Se um dia todas as favelas do Rio estivessem pacificadas, esse turismo morreria?
Isso não sabemos dizer. As favelas exploram outros atrativos, como o fato de serem cenário para filmes ou clipes (o morro Dona Marta serviu de cenário aos clipes de Michael Jackson, em 1996, e de Alicia Keys e Beyoncé, bem recente). É difícil prever a evolução dessa dinâmica.
Se for da vontade do turista, as agências o ajudam a fotografar armas?
Havia uma agência em particular, a Private Tours, que tinha essa prática. Mas, na maior parte das vezes, o turista não vê ninguém armado, porque as agências procuram evitar os locais de venda de drogas, que são menos seguros. Ninguém passa na "boca" (ponto de comércio de drogas), por exemplo. Vale dizer que, para o turista, isso não faz muita diferença. Para ele, basta saber que há pessoas armadas na favela e que ele está numa situação de risco, para que haja excitação. Tem guia que potencializa essa sensação, dizendo coisas como "Acabou de passar um traficante". Mas em geral o guia não deixa que o turista fotografe gente armada, para evitar problema com o tráfico. Se acontece de um turista fazer uma foto de um traficante, este pode querer tirar satisfação com o turista e mandar apagar a imagem. Aí, o guia tem de intermediar. Para muitos guias, essa é uma atividade estressante.
Que imagens os turistas mais fotografam?
O que se vê é um interesse primordial pelas habitações. Acho que é impactante para quem vem de formas urbanas mais organizadas pensar como é possível haver tantas construções desalinhadas e como se faz tanta coisa em espaços exíguos. Outra coisa que interessa bastante são os rostos. Aí, o que é muito chocante é que, mesmo na Rocinha, que é considerada uma "favela nordestina", com tipos físicos variados, os negros são os mais eleitos. Pelas fotografias dos turistas, você tem a impressão de que a favela é negra. Isso mostra que a pobreza tem cara e tem cor. A pobreza é negra. Isso mostra também que, embora o turista tenha a chance, durante o passeio, de confrontar as ideias prévias que possui do lugar com o que vê pessoalmente, muito da representação antiga continua.
É por uma questão econômica que a favela abre as portas para o turismo?
Olha, essa foi uma questão que me impressionou muito. A maior justificativa para receber o turista seria o dinheiro que ele traz. Mas essa não é a prioridade dos moradores. O que eles dizem é que a oportunidade que o turismo proporciona é de construir uma representação diferente da favela. Uma imagem positiva. Eles recebem mais atenção do turista estrangeiro do que do brasileiro, que vira as costas para eles. O morador não é otário. Ele sabe que o turista vai lá querendo ver o tráfico, querendo ver a arma, mas aí eles têm a chance de mostrar que a favela não é só isso.
Como é, de modo geral, o roteiro do turismo na Rocinha?
Há coisas que não podem faltar. Não pode faltar a laje, onde os turistas tiram foto da paisagem e ouvem um discurso explicativo coisas como "Ali embaixo, você vê a escola americana, que custa tão caro, e isso mostra como esse país é desigual". A laje é um momento pedagógico, impactante para o turista, que dali vê um oceano de casas, com o mar azul ao fundo. É uma experiência visual muito forte. Todo passeio vai incluir também, em algum momento, uma parada para comprar suvenir. Tem uma grande presença de objetos feitos a partir de material reciclável. É aquela ideia de que a pobreza inspira saídas criativas. Há também muitas pinturas, e são quadros muito interessantes, porque nunca são pedidos de ajuda ou apelação. São imagens de uma favela colorida, aquela ideia de pobreza alegre. O tráfico está ausente dessas representações. São, obviamente, representações redutivas da favela, porque ela é feita de tráfico e de violência. O roteiro ainda vai incluir, sempre, algum tipo de projeto social. E, em alguns casos, uma parada numa escola de samba.
Crédito: http://veja.abril.com.br/
Turismo da miséria virou negócio nos últimos vinte anos.
Lucas Mendes: Do Bronx à Rocinha, via Dharavi
"Não vá ao Rio. Cidade do crime", você vê na internet. "Cidade de estupros de estrangeiras, de bandidos adolescentes impunes." A mensagem é longa e detalhada.
Verdade? Quem manda as mensagens? Não importa. O Rio assusta. São Paulo também. BH também. O nordeste mais ainda. Brasília? Capital do sequestro. O Sul, abaixo de São Paulo, que era segurança maravilha, hoje é destaque nas manchetes do crime.
Neste fim de semana, em Nova York, uma campeã na redução de crimes violentos, foi batido um recorde negativo. Vinte e cinco pessoas baleadas com seis mortes em menos de 48 horas, entre eles uma menina, Tutu, de 11 anos, ferida no pescoço na porta da casa dela durante um tiroteio de gangues. A bala foi parar na espinha. Tutu está paralítica.
Sara, outra adolescente, atingida em outro tiroteio, sábado, no bairro do Bronx, hoje é uma heroína dos jornais. Quando viu que todos correram e o carrinho da criança ficou abandonado na calçada, ela saiu em socorro e foi baleada. Ela se recupera de um ferimento na perna.
Apesar do número recordista de violência armada em muitos anos, maio mantém a escrita de violência em queda. Desde 1964, é o maio menos sangrento de Nova York. Nova York ainda tem crédito no banco da segurança.
A manchete maior na queda do crime vem de Chicago, que liderava o país em guerras de gangues. Queda de 35% desde janeiro. A ação da polícia começou com a morte de uma adolescente num tiroteio de gangues. Haydee Penbertom, de 15 anos, uma estudante brilhante, boa filha, sem conexões com bandidos.
Os protestos dos vizinhos mexeram com a polícia que, numa operação parecida com as UPPs, despachou 400 policiais para ocupar as vinte áreas mais violentas da cidade. Além do número, o impacto das câmeras pela cidade foi decisivo.
Nenhum bairro americano se compara ao Bronx, de Nova York, em fama de violência, destruição e decadência. No passado. Outras cidades podem ser mais perigosas, mas em Nova York tudo é multiplicado pela mídia. Mais da metade do Bronx foi destruída em incêndios criminosos. Não é exagero. Mas quando uma companhia de turismo lançou a excursão "venha conhecer o verdadeiro Bronx", inspirado em tours das favelas do Brasil, Índia e África do Sul, o ônibus com os turistas foi parado, expulso do bairro e as excursões foram canceladas.
Até agora ninguém reclamou da falta de liberdade de expressão.
O ônibus deu azar. Chegou no Bronx no dia de uma festa popular em que a população comia, bebia e festejava as conquistas culturais e a história do bairro.
Por pouco, os turistas não tiveram um verdadeiro momento Forte Apache, Bronx, o filme que chocou o mundo e transformou o Bronx num símbolo da decadência do capitalismo.
Naquela época, os americanos não queriam esconder a vergonha do bairro. Pelo contrário. Em 77, o presidente Carter percorreu o Bronx para mostrar as feridas sociais. Três anos depois, o rival Ronald Reagan voltou lá para mostrar que Carter não tinha mudado nada.
A tragédia continuava do mesmo tamanho. Virou material de propaganda na campanha política: "Veja a miséria do Bronx". Hoje, os moradores querem esconder o passado e promover o futuro.
O Bronx melhorou, e muito. Hotéis de luxo estão em construção, centenas de lojas, entre elas cadeias finas como Macy's e Target. Trump constrói um campo de golfe com padrão internacional. Para os líderes do Bronx, é urgente separar as palavras "Bronx", "incêndio" e "drogas". Mas ainda há pobreza e a rica história da violência.
Só fui à Rocinha uma vez, num evento promovido pela BBC. A intenção era mostrar um bairro em recuperação econômica e social. Foi em meados de 90 e foi tranquilo.
Muito antes, quando era guia, quase fui lá a pedido de um casal de turistas franceses. Tinha acabado de chegar ao Rio, mal sabia o que era zona sul ou zona norte, precisava de dinheiro para pagar o curso e as contas. Pintou uma vaga de guia de turismo da empresa USE. Eu falava inglês, o francês não era ruim e queria conhecer o Rio. Não escondi minha ignorância, mas isso não era problema, me explicou o chefe.
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"Você passa uma semana fazendo os tours com outros guias, estuda um pouco e pronto."
Foi uma boa experiência, mas não havia excursão para as favelas do Rio. Quando passei o pedido do casal francês para o diretor, ele respondeu: "Turismo na favela? Nem pensar".
Cheguei a fazer uma conexão na Rocinha para uma viagem de táxi, mas o casal já tinha feito compromisso para subir outra serra e passar o dia com nossa família imperial.
Turismo da miséria virou negócio nos últimos vinte anos. A empresa Reality Tours and Travel fatura nas excursões de Dharavi, em Mumbai, cenário do filme Slumdog Millionaire. "Favela 5 estrelas", diz o promotor das excursões, "com 700 mil residentes, 11 mil comerciantes e , entre os miseráveis, um punhado de milionários". Não tem gangues, mas tem estupradores.
Qualquer turista vítima de crime no Brasil pré e pós-Copa e pré e pós-Olimpíada, vai ser notícia de destaque. A americana estuprada no ônibus no Rio e o alemão baleado na Rocinha vão provocar outros alertas como o "não vá ao Rio do crime", mas o que mais afasta turistas do Brasil ainda é a combinação preço-bagunça.
O que você está fazendo de diferente? Seu turismo é consciente? Volte a viver!
Somos humanos. vucanza.com foca nas pessoas!